sexta-feira, janeiro 13, 2006

"Curioso" esse seu Eduardo

Eu via que ele tava sofrendo. Tava mesmo. O porteiro tava quase desesperado. Ele me parece um pouco, digamos, expansivo. Ok, fofoqueiro mesmo. Talvez quisesse detalhes da minha vida pra comentar com quem quer que fosse. Queria - não, melhor - precisava muito saber onde eu trabalho, mas não perguntava diretamente, só ficava puxando assuntos que me levassem a explicar por que raios eu trabalho de madrugada:

- Trabalhar de madrugada é dose.
Ou:
- Tu entra às duas, né? Pouca gente trabalha nesse horário.
Ou:
- Portaria tem mesmo que funcionar 24 horas.

Então ele não resistiu. Enquanto eu esperava a minha carona chegar, escutando ele falar incessantemente, perguntou:
- Mas onde é mesmo que tu trabalha mesmo?

Respondi e vi, no rosto dele, como ficou aliviado com a resposta. Não é que as gurias estão certas? Tenho que me explicar, porque livres interpretações não me favorecem.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Luta vã *

Pára pensamento
Por que seguir?
Ou corre
Ou cai como chuva
Tanto faz
Nunca teve importância mesmo

Não, desculpa
Mentirosa
Fica e me distrai do sono
Preciso me entreter
Me distrai de tudo
E do nada também
Ah, esse vazio mortificante

Que fazer quando escorrego?
Água pesada e suja
Sapatos molhados
Medo dos passos a dar
Medo bobo, penso
Boba eu, acredito

Busco rimas em vão
Quem vai entender?
Palavras que se encaixam no papel
E se desencaixam na mente
E desencaixam tudo
São lembranças simplórias

Beijo com gosto do primeiro
Toque com a timidez de sempre
Paredes ansiosas por histórias
Corpo ansioso por suor
Como suportar?
É possível suportar?
Não na vida de hoje
Não. Nunca

Pára pensamento
Por que seguir?
Ou corre
Ou cai como chuva
Tanto faz
Um dia já teve importância




* É estranho como as palavras surgem de forma natural. E como se encaixam de forma estranha. Mas pra que conter a criação? Aviso, porém, que não há qualquer significado além dos que a minha mente formulou e duvido - sem questionar capacitações, apenas por uma questão intimista - que esse conjunto de frases faça sentido a mais alguém além de mim.

sábado, janeiro 07, 2006

O que faz um copy madrugadeiro

Vou tentar explicar minhas funções de copy madrugadeiro. Meu horário é das 2h às 8h da manhã e não fico na farra, não, fico solitária, dentro do prédio da Ipiranga, com apenas a telefonista no mesmo andar.
Viu, meninas? Não sou uma mulher da vida. Pobre de mim.
Defino minha função, superficialmente, em dois tópicos:

PROCURAR SANGUE
Fico ligando pra milhares de delegacias e postos da Polícia Rodoviária perguntando se coisas graves aconteceram. Por "coisa grave" entenda-se "morte". Mais de duas, se possível.

ACORDAR PESSOAS
Caso ocorram acidentes e/ou homicídios graves, com mais de duas vítimas ou em circunstâncias especiais, acordo o sobreaviso pra ele ir lá cobrir.
E acordo também o Marcos, que é o fotógrafo, pra ele ir fazer as fotos do ocorrido.

Mas tem outras coisas, também. Fico de olho na Globo e GloboNews, pra ver se acontece alguma coisa. Até agora não teve nenhum plantão. (Ah, eu tô na comunidade do Orkut "eu tenho medo do plantão da Globo".) Nos últimos dias, por exemplo, tenho esperado a morte do Sharon.
Também atendo às infinitas denúncias de leitores. Eles realmente acham que a imprensa pode resolver todos os problemas. E, de certa forma, resolve alguns.
Dias atrás uma mulher ligou avisando de um incêndio e dizendo que já tinha ligado pros Bombeiros, mas eles disseram que iam demorar por falta de carro. Uns dez minutos depois de eu ligar pros Bombeiros, dizendo que era da Zero Hora e perguntando por que nenhuma viatura tinha sido deslocada pra lá, três viaturas chegaram ao local.
É um medo de propaganda negativa que nem te conto.
Mas a vida de copy madrugadeiro é assim. Ligar pra lá e pra cá e ver se pessoas morreram e em que circunstâncias. Da última madruga saiu uma contracapa Zero Hora. Era a história do Cristiano Fischoder, 18 anos. Ele veio pra Porto Alegre comprar um violão com dinheiro economizado de seus prêmios de música e morreu na colisão do Escort dirigido pelo primo com uma árvore. Fiquei com medo de ligar pro fotógrafo, afinal, só tinha uma morte, não era nada grandioso (por favor, não me julguem fria, não sou, o que me atrapalha muito). Resolvi ligar pra chefe, que autorizou a ida. O carro tava todo destroçado, praticamente partido em dois.

É isso que faço.
Tirando os problemas com sono, é claro, trabalhar na madrugada é a melhor função que já tive no jornal.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Pelo amor de Deus, me deixem dormir

Firme na madrugada e sem perspectiva de saída. Com um intervalo de duas semanas para minhas férias. (Quase não acredito que vou ter férias.)
Trabalhar no horário oposto ao da maioria das pessoas, praticamente sozinha, apenas eu e a telefonista na Zero Hora, não é o mais estranho. O mais estranho, mesmo, é não dormir durante a madrugada, o que desregula de tal forma o meu organismo, que tenho comido duas vezes ao dia e quase nada.
Fazer o quê? Se alguém tem que esperar o Sharon morrer, esse alguém sou eu.
O estado de sonolência é constante e ainda não consegui dormir mais de quatro horas seguidas. Acordo mais ou menos de uma em uma hora, com o celular tocando ou algum outro barulhinho.

Cara da mudança enquanto carregava caixas pro apartamento novo. Que, por sinal, é ótimo.
Thais bocejando: Que sono.
Cara carregando caixa: Peraí, sono? São nove da manhã.
Thais desmaiando: Eu trabalhei até as oito da manhã.
Cara impressionado: Ah.

Celular toca. É o sogro, que não conseguiu falar com o Rafa.
Thais acordando: Alô?
Sogro surpreso: Alô? Thais, te acordei?
Thais ainda acordando: Pois é, não tem problema.
Sogro muito surpreso: Mas tu tá dormindo? São dez da noite. Por que tu não tá trabalhando?
Thais paciente: É que agora eu trabalho de madrugada.
Sogro mais surpreso ainda: Que horas?
Thais dormindo novamente: Duas da manhã.
Sogro impressionado: Ah.

Toca o interfone. Dez da manhã. É o porteiro do novo prédio (uma das pessoas que mais demora pra falar que já conheci na vida. Muitos rodeios...)
Thais amaldiçoando o porteiro: Oi?
Porteiro com voz feliz: Oi, Thais, a síndica chegou, é melhor tu ir lá agora.
Thais perdendo a compustura: Agora não dá, eu tô tentando dormir.
Porteiro intrometido: A essa hora?
Thais indignada por se explicar ao porteiro: São dez da manhã e eu trabalhei até as oito.
Porteiro impressionado: Ah.

Todo mundo se impressiona.