terça-feira, setembro 14, 2004

Mais uma estrada

Deixada na rodoviária, com uma mala de rodinha e uma bolsa cheia de bugigangas (incluindo uma lata de leite condensado que meu pai me fez levar. "Tu adora branquinho, filha!").
Entrego a mala pra um cara, que por falta de originalidade chamo de "cara das malas", pego o papelzinho que tem o número da minha mala, pra pegá-la de volta no meu destino.
Ninguém pra dar tchau. Melhor, detesto despedidas. Mentira, adoro despedidas, mas não tem ninguém pra se despedir de mim, meu pai me deixou e foi embora. Acho que ele não gosta de despedidas. Me deu um abraço apertado e falou: "não demora pra voltar, tá? E liga quando chegar!". Foi a coisa mais doce que já ouvi.
Subi no ônibus. Poltrona 31. Rezei baixinho pra ninguém sentar do meu lado e eu poder me esticar. Um senhora começou a andar na direção do banco e disse: "com licença". "Tem toda, mulher que vai me apertar a viagem inteira!". Só no pensamento, claro.
O meu celular toca. Não conheço o número. "Oi, amor da minha vida!". "Oi, Mi!". Michelle, minha irmã mais velha. "Desculpa não tá aí pra me despedir de ti!". "Nem te estressa, já tô acostumada". Eu nunca me acostumo.
Abri Aritmética, que por mais incrível que pareça, ainda não acabei. Comecei a ler. Deu sono, ou Dramin que a minha mãe me deu fez efeito.
Mas insisto lendo. O motorista apaga a luz principal e tenho que acender aquela luzinha de cima, muito fraca. Forço os olhos. Pergunto pra mulher do lado: "incomoda?". "Não". Talvez ela só estivesse sendo educada, então leio mais um pouco e apago a luz.
O ônibus segue. Pára na estrada três vezes pra subir gente. Pego no sono. Acordo. Olho o relógio e vejo que só se passaram quarenta minutos. E começo a pensar na vida, o que nunca é bom. E começo a concluir mil coisas, a imaginar mil coisas. E fico rindo lembrando do meu último porre. E tenho vontade de chorar pensando em como sou fraca. E dói meu coração mais profundo do que o normal. E me sinto só. E o ônibus segue.
Uma parada. Desço, vou até o banheiro, lavo o rosto. Encontro um amigo. Que coincidência. Conversas superficiais. "Tchau". "Tchau".
O ônibus segue. A rodoviária tá quase sem movimento quando eu chego, não tem ninguém me esperando. Por que teria? Entrego o papelzinho pro cara das malas, pego minha mala e vou caminhando até o táxi. "Táxi, moça?". "Ahã".
"Oito reais". "O senhor se importa de esperar enquanto eu abro a porta da frente?".
Entro no prédio, dou um aceno amistoso pro taxista solidário e entro no meu ap. Tranco a porta. Tá vazio. Por que não estaria? Deixo as malas jogadas, arrumo o despertador - 7:30. Tiro a roupa e coloco uma camiseta amarela de um lugar que trabalhei. Ela é confortável, boa pra dormir, e meu pijama tá na mala, não quero abrir a mala agora.
Me deito e ligo pra minha mãe. "Já tô em casa, segura e quentinha". Desligo em seguida.
Boa noite. Não, dessa vez não tem resposta.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tu não tem noção, mas esse texto conseguiu me deixar muito melancólico...
by Pinky!

luís felipe disse...

mas o texto é realmente muito melancólico. Muito triste, doído, sei lá, também fiquei com essa sensação horrível.

Frau Bersch disse...

Não sei se melancólico ou estranho... tipo, sei lá...
bjin.